sexta-feira, 8 de abril de 2016

capricho

Uma senhora idosa sai de sua casa, com seus óculos favoritos, e vai assistir a um filme na sala de cinema da qual é frequentadora. Ela anda calmamente, com uma postura ereta, muito elegante e nem parece ansiosa com o filme.
Enquanto anda, ela pensa sobre o seu passado: “como gostaria de ainda dar aula” e fala para si mesma:
-Bons tempos, muito bons tempos.
Ela percebe que há um moço andando atrás dela e acha que ele a está seguindo, então ela pensa: “como queria que isto fosse real pois poria alguma emoção em minha vida de aposentada”.  E lembra em quantas vezes no passado pensou em seguir as pessoas, intrigada que ficava, pensando onde moravam, o que faziam, e como viviam suas vidas.
Perdida assim em seus pensamentos, ela acaba esbarrando em alguém. Fica envergonhada e pede desculpas.
Ao olhar a pessoa com quem trombou, ela a reconhece, e quase instantaneamente percebe que é reconhecida também. A pessoa se adianta e a cumprimenta:
-Oi. Quanto tempo? Como vai você?
A senhora tenta rapidamente consultar sua memória... Quem é ela? De onde a conheço? Ela parece me conhecer bem... O que direi agora? Finjo que sei quem ela é? Deixo-a falar mais um pouco para ver se descubro sua identidade ou confesso imediatamente minha ignorância? Apelo para minha idade avançada e digo que tenho problemas de memória?
A senhora diz:
-Desculpe, pode parecer grosseria, mas você poderia me relembrar seu nome?
- Você só pode estar brincando... Como você não se lembra da pessoa que te indicou suas leituras favoritas?
- Ah, você é do clube de leitura!
-Como assim? Claro que sou!
-Não se lembra das nossas noites de leituras e discussão? De quantas descobertas fizemos juntas? Nós dizíamos a todos que éramos almas gêmeas... Nossa discussões eram filosóficas, nós colecionávamos juntas nossas leituras favoritas, eu até hoje guardo a minha coleção completa.
Pensa, pensa, pensa, eu e Fulana adorávamos discutir Platão, mas ela já morreu, eu fui ao velório. Depois, eu e Beltrana começamos a discutir A Crítica da Razão Pura... mas ela está com demência, não pode ser. Ai apareceu aquela moça meio maluquinha e começamos a fazer leituras budistas... quem era ela? Será que...
-Vamos marcar para você ir em casa. Guardei toda a nossa coleção de revista Capricho.
O que? ela falou Capricho? Revista de fofoca de atores da TV? Eu não a conheço, ela não me conhece, está enganada...
-Claro! Ótima ideia! Eu te ligo. Tchau.
E a senhora idosa, com seus lindos óculos e sua postura ereta retoma o caminho para o cinema.



2 comentários: